domingo, 27 de fevereiro de 2011

Quero não, Posso não, o autor não deixa não...

A obsolência do copyright ficou demonstrada mais uma vez. O exemplo agora vem da cultura popular. Nas últimas semanas as músicas do estilo “Quero não, posso não...” foram destaque nos programas de domingo da TV aberta. Tudo bem que eu não tive saco para aturar o Faustão ou o Gugu até o final das entrevistas e matérias, mas alguma lição foi possível tirar.
A música, sucesso no youtube com indivíduos no mínimo alcoolizados tentando encenar alguns passinhos ridículos (a gente sempre assiste essas coisas se perguntando que seria o idiota que ficaria assitindo esse tipo de coisa...) teria sido plágio de uma outra música feita para crianças cujo refrão dizia:

“Quero não, posso não
minha mãe não deixa não...”

Esta era uma música cantada por um grupo de fantoches em um programa infantil. Que meigo!

Só que os terríveis forrozeiros da fila de entrada do AA, teriam modificado a letra alguns anos depois, inserindo referências a todas aquelas coisas que todo forro-sacana fala: sair, beber, raparigar e etc. (o ministério da saúde adverte: fazer etc sem camisinha pode transmitir AIDS). O resultado foi:

“Quero não, posso não
minha mulher não deixa não...”

Em resposta, um outro grupo elaborou uma nova letra e postou o respectivo vídeo no YouTube:

“Quero sim, posso sim
minha mulher não manda em mim
vou beber, vou curtir.”

Tudo isso nada mas é que uma clara demonstração da ineficiência do copyright em tempos em que um vídeo-resposta pode ir ao ar mais rápido que um registro de marca ou um registro domínio (48 horas de propagação Registro.br, 48 horas...).
Como eu gosto muito de farinha de mandioca, vou supor a inocência de nossos pobres pinguços. Imagine que um deles tenha ouvido a tal melodia por um curto espaço de tempo e em um momento de distração (ao sair para o futebol com os amigos, por exemplo, enquanto o filho assistia ao programa de fantoches na televisão). Mesmo sem intenção a complexa melodia e as rimas elaboradíssimas poderiam ficar gravadas entre as dobrinhas do seu cérebro. Assim, alguns anos depois, eis que emerge a nova composição, aparentemente original, refletindo um drama familiar masculino. Isso nunca aconteceu com você? Achar que inventou uma coisa genial e depois descobrir que já existe algo parecido? Estamos expostos a mesma cultura e a estímulos semelhantes. A tendência é inventarmos coisas parecidas. Por isso os processos de criação são cada vez mais resultado de técnicas e trabalho duro e não de lampejos de genialidade.
A composição fez sucesso, meia dúzia de camaradas elaboraram a tal dancinha e postaram no YouTube. Ai foi todo mundo parar no Gugu e cá estou eu a escrever sobre o assunto e milhares de pessoas a comprar cds (tem gente que ainda compra cd e que não tem acessoa a banda larga, sabia?!), assistir aos vídeos e ir aos shows das bandas, com o cônjuge deixando ou não.
Independente do gosto musical, temos que admitir que ocorreu um processo colaborativo na construção das músicas, só possível devido ao avanço tecnológico atual.
Algo parecido ocorre com o Funk carioca em que, sem discutir a qualidade das composições, elementos musicais são reaproveitados e combinados de forma criativa transformando o que era uma batida seca importada do Tio Sam em uma mistura de musica eletrônica com batucada e dançarinas rebolando.
Toda criação intelectual é, na verdade, fruto da combinação, extrapolação ou uso diferenciado de elementos preexistentes. Acredito ser muitíssimo raro ou até impossível a criação 100% original, sem uma fonte de inspiração ou criação precedente. Sendo assim, em uma sociedade global, com abundância de informações e formas de comunicação, permitir a livre circulação da produção intelectual através do copyleft é o modelo mais promissor e que resulta em menores custos.
Dirá o leitor: e onde vamos ganhar dinheiro? As versões sacanas da musiquinha infantil deve estar gerando um público bem maior para os autores de todas as versões. Os maiores artistas da musica POP apostam cada vez mais em bons shows e grandes turnês. O que faz diferença não é mais o produto ou serviço. A competição agora é entre modelos de negócio. Os modelos atuais estão obsoletos e a lei da oferta e procura irá enterrá-los por completo. Gravadoras e Estúdios de Cinema obterem os lucros exorbitantes que alcançam em um mundo com tantas músicas e filmes não parece contraditório? A crise iminente não é resultado da pirataria como parece: é um fenômeno de mercado.
Nos modelos do Século XXI, a produção ocorre de maneira de colaborativa, mantendo os resultados criativos disponíveis para novas modificações e aproveitando-se destas modificações. O resultado alcançado seria impossível de ser obtido por uma única empresa ou pessoa, e os custos bem abaixo do que seria necessário em um modelo tradicional. Pode-se cobrar pela prestação de serviços aos clientes, pela adaptação ou aplicação daquele conhecimento, pelo show, pela apresentação, pelo banner, marca, nome ou citação inseridos de um patrocinador. Pedir doações ao beneficiado. Cobrar por versões mais específicas. Oferecer treinamentos e consultoria: você ajudou a criar, você é o especialista.

Vamos pensar em novos modelos?